quarta-feira, 25 de junho de 2008

Descobri, por acaso, Laila. E, pá:

Ao acaso
Creio, copio, acuso,
corro, critico... Não me calo!
Crio caso!
Caso queiras, até caso.
Cobro carinhos
carícias
cuidados...
Curto a vida e
quando quero colo,
corro pra casa.

Um poema ligeiro - daqueles que te vencem por knockout - feito às bases do bom e velho estilo palavra-puxa-palava. Entretanto, é importante ressaltar que a falta de métrica e rima é compensada por esse vai-e-vem de sílabas num ritmo meio staccato e pela exploração das possibilidades semânticas da palavra caso.

Desenrolando-se por entre cês - creio, copio, acuso, corro, critico, calo (suspeito até que o calo tenha sido causado por tanta repetição), crio, caso e, ufa, etc. -, o ritmo, como dito, inicia-se truncado, em notas breves - criando caso? -, e se revela prestíssimo nos versos finais, correndo pra casa. Sua velocidade lembrou-me de Cacaso ("poesia rápida como a vida"):

Poesia
Eu não te escrevo
Eu te Vivo

E viva nós!

A musa (leia-se poesia) manhosamente inicia os versos. Cobra carinhos e carícias, faz-se de difícil, mas revela seu desejo: o colo de um bom leitor que a percorra com muito cuidado.

O blog: http://lailaco.blogspot.com/

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Uma linha torta no tecido da manhã

Sempre tive um dificuldade enorme de estudar prosa. Se me mandarem analisar um conto do Rosa, vou ficar ali, na frente do livro, estupefeito – sem um passo de palavra. Meus caminhos são sempre pelas letras poéticas, é ali que me divirto reconstruindo nos alicerces mais abastados.

Mas acabei alcançando alguma coisa de diferente quando encontrei essa prosa que, insisto depois de vocês falarem em poema (como falarão), tem enredo, personagem, narrador, tempo e espaço – e tudo isso debaixo de luzes espantosamente inebriantes. A grande questão é a fusão deles em cada linha:

O fruto
"Eu quero que esse momento dure a vida inteira
e além da vida ainda de manhã no outro dia"
Arnaldo Antunes
Seu gosto de maçã prosseguia, contudo maçãs não permanecem inteiras depois que se morde. Você, apesar de resistente a mordidas, se derrete em temperatura ambiente. Agora o gosto é de carne, carne viva, corpo vivo, carne sua, desde a sala até o céu, até onde vai o pensamento, sobre a grama do nosso jardim.Sob a luz do sol, o cheiro era de maçã, era de aconchego, era quente, era bom. Era como você, com você, por você.O som que dilacerava o silêncio era da sua voz, fossem palavras belas ou não. Palavras de maçã enlaçavam-me num beijo fatal.
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De frente pro desafio, proponho:
- o narrador é uma primeira pessoa se dirigindo a nós, segunda;
- somos personagens, ora, de um monólogo;
- o espaço é alguma coisa em torno da maçã;
- o tempo é o (do) enredo, e o enredo é o tempo.

O fruto, pois, é o tempo furtado do Arnaldo: mas que amolece na boca de quem nos fala. Não satisfeito com a maçã, signo-mor desse torvelinho, vamos nós pra boca do sujeito; irônica, a mordida, agora, se desfaz em beijo – um assim, fatal, como todo fim de prosa, numa manhã que se quer maçã: concreta, barroca, abstrata.

Frutífera essa ruptura no silêncio maluco da prosa contemporânea – um lugar cheio de músicas e bagunças, mas sem som. Afinal, no liquidificador, tudo são palavras de maçã.
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Era como você.
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Fiquemos felizes, sim, sendo deglutidos.
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(Principlamente no, pra dizer o mínimo, bacana http://hannebaby.blogspot.com/ - o blog da Hanne.)