sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Foco: sufogo

O nome é “incendiária das horas” e tudo o mais ou menos de Bandeira que há nela - o que nos deixa em dúvidas, sempre em dúvidas quando nos deparamos com um texto seu.

O furtado dessa vez, pois, é de lá. Seu nome, diga-se, acho que é “coisa”, pelo seguinte motivo: é um poema, parte primeira do que chamou-se de “Três”, mais adiante esclarecido como “Três coisas diferentes, vomitadas cada uma a seu turno” (guardem o vômito). A nós nos interessa, portanto, o primeiro turno: o em versos – sem métrica, com pouca rima e muita dor.

Citado o cânone, vale dizer que vontade de listar o quanto há do pernambucano em tais versos exclui-se logo aqui. A incendiária é ela, por si. Como nesses versos que me parecem ter gosto de arrependimento, que se quer farsa de destino:

-------Sufoco da vida escolhida
-------Se é que escolhida

Seria dor? Dor-doçura (“dói de doçura”) ou dor azeda ("ou de vinagre") então? São os braços da bolsa-vida; ou... não, é muito mais que isso, o poema é um tudo!

Pois então agora vem à tona mais uma vez a poeta, e querendo vomitar de novo para este espaço sideral. Mas o vômito vem pintado de um verde-botânico, ainda que sem flores: onde esperamos o revólver, vem o calmo coqueiro; e a poeta quer engolir o choro.

-------Alguém aceita selar esse segredo
-------que confesso gritando?

Depois dessa, de ouvidos dilacerados, sentidos de aliterações, seguimos pelo percurso-poema até termos os olhos feridos.

Queria o poema não ser visto?

Quem sabe... Para mim há muita coisa ocultada sob suas dezessete faces inevitavelmente drummondianas. Muita coisa ou nem – apenas alguém em casa comendo baratas.

Nasce a poesia

Ao percorrer o blog de Luiz Carlos Dalfior, pode-se perceber a mutação poética por que tem passado: de Stephen King à teoria da relatividade, não numa metamorfose kafkiana, mas num processo lento e gradual, sempre deixando acesa a sua influência romântica.
...........Em particular, destaco o metapoema "Rascunho":

Quero achar a solução para você, poema meu.
Mas você se acanha
e se esconde no
verso de cada folha.

A luta com a palavra, com o verso, é uma constante na vida dos que se enveredam pelas terras ermas da poesia. E Luiz Carlos, ao resolver poetar, chega ao dado momento da reflexão poética, do rebuscamento estético e da lapidação do conteúdo. Resultado: problemas à vista. Por conseqüência, surge o desgaste, o cansaço, o desapontamentoora, matéria para um metapoema (e tome trabalho!). Drummond, entre vários outros poemas, alertou:


Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No
entanto ele está dentro
inquieto, vivo.
Ele está dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira. ¹

No diálogo com o poema de Drummond, “Rascunhotambém trava uma batalha para, no caso, entrar no papel – a solução para o enigma (“poema meuouproblema meu”?) transforma-o numa espécie de poema-Esfinge. Decifra-me ou te devoro!
........... Contudo, a solução, por hora distante, acaba por se formar diante dos olhos do poeta; está germinando, posto que escondido no verso da folha. O metapoema-minuto desvendado mostra, enfim, seu corpo nu que acabou de nascer. Resta, pois, lapidar o verso escondido no verso da folha: é a hora lutar com as palavras.
...........Luiz Carlos luta luta sem alarmeeis que o poema forma-se. Mas atenção! Não se pode esquecer o que escreveu o poeta mineiro:

Lutar
com palavras
parece
sem fruto.
Não têm carne e sangue
Entretanto, luto

E então, quando chegar a hora da luta vã, ele perguntará: trouxeste a chave?

¹ "Poesia", Alguma Poesia.
² "O lutador" (fragmento), Poesias.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Abordoadas

Dei-me o direito de estar aqui – a quase inaugurar esta bodega –, e achei que um jeito bacana (ou aproveitador) de começar nossas abordagens era com o poema primo deste blog, da Natália de Azevedo:

-----diário de abordo I
-----um dia talvez...
-----ou três.

Sorrateiramente, lá nas origens, esse poema veio parar aqui direto das mãos da poeta. Vou lançar sobre ele um olhar vertical e unipolar – redutor, confesso.

Um diário de abordo, o Azulejos Assassinos é o próprio “diário de abordo I”, permito-me dizer.

-----Diário no que é pretendido. Finge-se ser feito dia a dia infatigavelmente então.
-----De abordagem, assim, em primeira pessoa – nem sempre do singular.
-----E um. Do singular para o plural, como ao cabo do poema.

Noves fora isso. Há mais algumas coisinhas a que destino merecido destaque: tem esse jeitinho rítmico de lidar com palavras, bailarineando; essa vontade de escrever com letra pequena (procedimento comum em se tratando de Natália); e o gosto, a princípio, efêmero, que sempre volta.

Com menos destaque, deu para ver uma vontade de dizer mais ali entre os três pontos das reticências e o ponto do fim. Três pontos emparelhados com "um dia" apontando para o fim, que na verdade, ou "talvez", viria em "três". E um ponto fazendo subir os olhos no corpo do poema, eroticamente – da mesma forma como um ponto está no meio de dois.

Enfim, isso tudo me deixou impressionista o bastante para dizer que... de verdade, gostei.